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Mente sã

OPINIÃO

Cyberbullying: apenas porque sim

Há que informar largamente os nossos jovens para os riscos

que a exposição da sua imagem publicamente pode correr.

Vera Silva

14 de Janeiro de 2020, 3:58

Numa era digital onde tudo se torna demasiado fácil, encapuçado por um ecrã, miúdos e graúdos escondem-se na compensação das suas necessidades sociais maioritariamente falhadas. Objetivos de difícil concretização manifestam-se numa agressão evidenciada por atos de índole dúbia.

 

Aquilo que se mostra em publicações de redes sociais é apenas os que se quer ver e não aquilo que verdadeiramente somos. Rasgos de felicidade e de vidas ilusionadas mostram-se em fotografias quase sempre de beleza e alegria. Quando assim não é a vitimização, por detrás da publicação, também ocorre. Mostra-se a vida que se pretende mostrar. Mantêm-se fachadas, máscaras do se quer mostrar e erra-se no encontro do que verdadeiramente é. Destroem-se vidas apenas porque sim. A difamação, calúnia e derrame da imagem ocorrem entre adolescentes, mas também e cada vez mais entre adultos. Uma forma cobarde de se atingirem objetivos infelizes de prejudicar a vida alheia. Muitas vezes porque sim.

Entre agressor e agredido a diferença é vasta e ao mesmo tempo tão curta. Agredir é muitas vezes um ato de defesa cobarde. Agride-se por que sim, porque quero e porque a liberdade que me é concedida nas redes sociais é de tal forma extensa que não há limites... e também porque ninguém está a ver, não se é identificado. Já lá vai o tempo em que o que corria menos bem se resolvia cara a cara. Agora ofende-se, denigre-se a imagem de outros por motivo algum, mas também porque sim.

Mas são assim tão importantes as redes sociais que nos fazem colocar a vida em risco ao expor a imagem que é do próprio e só a ele diz respeito? O grau de confiança que deposito em alguém é medido pelo que publica, pelo que diz que disse, e se será ou não de confiança. Entre dez atos de bondade ao próximo, um ato tido pelo outro como desadequado danifica uma relação, porque a virtualidade assim nos ensina. É fácil, descartável e ninguém me vê. Destruo a imagem do outro apenas porque sim.

Quando alguém ataca é porque se sente de alguma forma agredido, seja por que motivo for, mais que não seja porque a vida do outro nas redes sociais (desconhece-a na realidade) é tão boa, tão feliz, tão brilhante, repleta de sucesso que por esse motivo me apetece destruí-la, mesmo sem a conhecer na realidade. Construções mentais de emoções que assolam o corpo ao olhar para a realidade virtualidade social do outro manifestam-se na destruição daquele que se “admira”. A admiração, é subjetiva, pois no seu expoente máximo pode tornar-se obsessão e assim sendo deixam de existir bitolas que sirvam para manter o discernimento.

O agressor deliberadamente assume um papel de prepotência perante aquele, que sofre as consequências da ofensa. A diferença entre nós e os animais é que os mesmos atacam para se defenderem e se alimentarem. O ser humano fá-lo muitas vezes por que sim. A prepotência de quem agride exige uma paciência enorme do outro para que se dê a outra face. Muito poético, muito inteligente, muito sábio dar a outra face quando se sofre na pele a agressão da calúnia e difamação. No entanto, o limite humano permite-nos dizer chega!

Hoje em dia muitas são as crianças que já têm acesso às redes sociais e por vezes com a conivência do adulto. Digo por vezes porque situações há nas quais os pais desconhecem sequer o que os filhos fazem por mares navegados da internet. As redes sociais são de fácil acesso, difícil é sair delas, porque uma vez publicado dificilmente se apaga da net e da mente dos que assistiram de camarote à difamação e calúnia sem nada fazerem.

As crianças e adolescentes ainda não atingiram um grau de maturidade para discernir entre o que pode eventualmente ser divulgado e o que não pode. Muitas vezes mesmo o que pode é alvo de calúnia. Há que informar largamente os nossos jovens para os riscos que a exposição da sua imagem publicamente pode correr.

Esta educação deve vir da família em primeiro lugar, mas também da escola através das aulas de Educação para a Cidadania, por exemplo. Quantas imagens de jovens são colocadas nas redes sociais com fortes avisos de que emocionalmente não estão bem e nada é feito, porque o mundo virtual é de tal forma intrincado que a maioria das famílias e da escola não têm conhecimento deste sofrimento explícito na fotografia publicada para chamada de atenção.

Por vezes considera-se (nalguns casos assim é) que o que se publica serve para alimentar o ego com mais likes e seguidores. Mas com isto têm que expor a sua vida, estar constantemente, ligados a uma App para que tenham vida social lá. A exposição mesmo a mais correta, acreditando que não há certos nem errados, pode ser alvo de calúnia e difamação. Como ficará no futuro a vida destes jovens que expõem a sua vida a nu nas redes sociais? Atualmente para termos uma noção superficial da pessoa que temos à frente vamos às redes sociais (por exemplo para uma entrevista de emprego).

O que é facto é que muitas vezes são o lobo na pele do carneiro e isso as crianças e jovens são sabem discernir... nem mesmo os adultos. Porque muitas vezes acredita-se que o que é mostrado é o que é real. Em fases cujo desenvolvimento social, mental e da imagem têm elevada preponderância como é o caso da adolescência, como farão a gestão emocional quando são alvo de chacota, difamação ou calúnia? Como poderão apresentar-se no dia seguinte na escola e enfrentar os colegas?

Muitos dirão, infelizmente, “colocou-se a jeito”. Infeliz expressão e de desrespeito pelo ser humano. Consequências graves poderão advir destes atos impensados de jovens para jovens, pois o caminho para situações de automutilação ou suicídio é curto.

O uso de fotografias de crianças e jovens para fins degradantes é algo a reter já que ao ser publicada a fotografia na rede social, por mais cuidado com a segurança que se possa ter, aquela imagem, fica ao acesso de todos. E todos... são mesmo todos.

Mas o que é facto é que os adultos têm dificuldade em ser exemplo, pois ao publicarem nas redes sociais momentos que só aos próprios dizem respeito (por vezes para mostrarem que têm a família perfeita, dentro da desarmonia existente), fotografias de crianças (sem a sua autorização) estão a colocar em risco a vida dos que mais amam.

Quanto mais adultos, mais distantes ficam da inocência da infância, e se as crianças são apanhadas nas malhas das redes sociais é por serem crédulas, de que o que veem é o que é. No caso do adulto, o mesmo sabe ou deveria saber que expor-se nas redes sociais é colocar a sua imagem (literalmente) à disposição de todos. E as intenções nem sempre são as melhores de todos aqueles que se tornam amigos, seguidores, etc. Difama-se, calunia-se derrama-se a imagem apenas porque sim.

 

Pediatra e Investigadora em Ciências da Cognição e da Linguagem do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

https://www.publico.pt/2020/01/14/sociedade/opiniao/cyberbullying-apenas-sim-1900240

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Fazer exercício físico pode ser uma forma de dar uma mão ao cérebro

Estudo mostra que actividade física, mesmo que iniciada tarde, traz benefícios para funções como a memória e outras capacidades cognitivas. Logo desde as primeiras semanas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mente sã em corpo são. O ditado é antigo e um novo estudo vem dar-lhe mais força: um grupo de investigadores percebeu que o exercício físico, independentemente da idade em que se começa, melhora a circulação sanguínea cerebral e permite, por isso, potenciar algumas funções como a memória e outras capacidades cognitivas.

O estudo, que foi agora publicado no jornal científico Frontiers in Aging Neuroscience, focou-se sobretudo nos efeitos da prática imediata de exercício, ao contrário de outros trabalhos que olharam para os benefícios ao fim de mais de seis meses de actividade.

Os investigadores da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, examinaram as mudanças na irrigação cerebral, cognição e actividade física de 37 adultos sedentários, mas que estavam mentalmente saudáveis, com idades entre os 57 e os 75 anos. Alguns foram incluídos num programa de treinos e outros num grupo de controlo.

O grupo que recebeu treino teve actividade física aeróbica em bicicleta estática ou passadeira supervisionada três vezes por semana, durante 12 semanas. Cada sessão teve a duração de uma hora. A circulação sanguínea cerebral foi controlada antes, a meio do exercício e após o treino através de ressonâncias magnéticas e detectou-se um “aumento do fluxo nas regiões chave da cognição”, nomeadamente no hipocampo, uma zona chave para a memória. Foram também medidos alguns parâmetros cardiovasculares que registaram melhorias.

No grupo que não fez exercício foi feito o mesmo e não se notou este benefício. Os autores perceberam, assim, que o exercício, sobretudo de natureza aeróbica, permite atrasar o envelhecimento cognitivo, nomeadamente em termos de memória, funções executivas, capacidades de visualização espacial e velocidade de processamento da informação.

“A presente investigação sugere que o exercício aeróbico em adultos sedentários pode melhorar a saúde do cérebro”, lê-se no trabalho, defendendo os autores que o facto de os benefícios começarem a sentir-se ao fim de poucas semanas pode “motivar os adultos a manterem uma prática regular”. Além disso, de acordo com a equipa, este é também o primeiro trabalho a explicar de que forma é que o exercício actua no cérebro ao nível da melhoria do desempenho cognitivo – podendo ser importante em estudos futuros relacionados com o envelhecimento e com demências.

Ainda assim, os autores defendem que são necessários mais estudos, não só porque a amostra foi pequena, mas também porque é preciso comparar as diferenças entre o impacto da actividade física na melhoria cognitiva e os efeitos dos exercícios cognitivos tradicionais, a título de exemplo.

Mais exercício, menos medicamentos


Recentemente, no início de Outubro, um outro estudo publicado no British Medical Journal tinha também concluído que o exercício pode ser tão importante como a medicação nas pessoas com doenças cardíacas, rivalizando mesmo com os fármacos na hora de evitar a morte.

O trabalho analisou 305 ensaios clínicos que envolveram 340 mil doentes para perceber o impacto tanto do exercício como dos medicamentos a prevenirem a morte em doentes cardíacos. As conclusões dos investigadores apontam para que, em muitos casos, além da medicação os especialistas devam recomendar exercício físico aos doentes – sendo esta a melhor forma combinada de prevenir ataques cardíacos.

Segundo os cientistas da London School of Economics, Harvard Medical School e Stanford University School of Medicine, a maioria dos doentes acaba por estar medicada, mas por ter uma vida sedentária. E adiantam que, por exemplo, no Reino Unido apenas um terço das pessoas fazem as recomendadas duas horas e meia de exercício moderado ou moderado a intenso por semana. Pelo contrário, o consumo de medicamentos não pára de crescer.

Em 2009 também foi divulgado em Portugal um estudo geral sobre a importância e a prática de exercício realizado por cinco universidades para o Observatório Nacional de Actividade Física e Desporto que concluiu que a maioria dos adultos cumpre os índices recomendados na sua faixa etária: 30 minutos de actividade moderada diária (ou 20 a 25 minutos de actividade vigorosa, três dias por semana). Os idosos, por sua vez, estão abaixo dos 50% no cumprimento das metas recomendadas (idênticas às dos adultos). Nos homens, 45% são suficientemente activos, enquanto as mulheres se ficam pelos 28%.

Na mesma altura foi divulgado um estudo da HF-Action (que analisou os efeitos do exercício físico na morbilidade e mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca) que dizia que bastaria pedalar cerca de meia hora numa bicicleta estacionária ou caminhar numa passadeira, na maioria dos dias da semana, para reduzir o risco de hospitalização ou morte por insuficiência cardíaca.

O trabalho divulgado em 2009 contou com 2331 doentes, com uma média de idade de 59 anos, de 82 localidades dos Estados Unidos, França e Canadá, que foram seguidos durante dois anos em meio. De acordo com os investigadores, os participantes que estavam no grupo do exercício físico reduziram em 15% o risco de morte e hospitalização por complicações da insuficiência cardíaca.

https://www.publico.pt/2013/11/18/sociedade/noticia/fazer-exercicio-fisico-pode-ser-uma-forma-de-dar-uma-mao-ao-cerebro-1612945

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JOÃO CARLOS MELO: “DIZER A UMA PESSOA QUE TEM BAIXA AUTOESTIMA ‘TENS QUE SER FORTE’ PODE SER MUITO DOLOROSO”

27/06/2019

Nascemos Frágeis e Recebemos Ordens para Sermos Fortes. O livro do psiquiatra, psicoterapeuta e grupanalista João Carlos Melo é um olhar sobre o narcisismo e a autoestima, que põe do outro lado da lupa a natureza humana, a evolução da espécie e a própria psiquiatria. Nós quisemos perceber como se constrói essa coisa fundamental que é a autoestima. E como a falta dela pode parecer um excesso.

Entrevista de Catarina Pires | Fotografia de Gerardo Santos/Global Imagens

O ser humano, ao contrário dos outros animais, é totalmente dependente quando nasce e demora muito mais tempo a atingir a maturidade. Nascemos frágeis?

Sim. Há essas necessidades de ser cuidado enquanto bebé, senão não sobrevive, mas depois há outras necessidades muito específicas do ser humano, como a de ser especial para alguém. A necessidade humana de ser especial aos olhos dos pais, quando somos pequenos, e de outros, ao longo da vida, é tão profunda que vamos passar o resto da existência a procurar satisfazê-la, tanto mais, e às vezes de uma forma que não é muito saudável, quanto menos satisfeita essa necessidade foi de início. Nascemos frágeis nesse sentido.

É na infância e na adolescência que se alicerça a autoestima?

É sobretudo na infância que se forma a base, mas depois pode haver abalos, nomeadamente na adolescência, que é uma fase um bocadinho crítica porque pode dar para um lado ou para o outro. Uma criança que tem uma boa autoestima, mas durante a adolescência tem experiências difíceis, dolorosas, devido rejeições dos grupos ou amorosas, terá a autoestima afetada, mas passada essa fase, se tiver incentivos e reforços positivos, verá a confiança e a autoestima restauradas mais facilmente.

Ao longo da vida vão havendo apports que melhoram a autoestima, mas também situações que a ferem, portanto estamos sempre neste processo dinâmico de adaptação.

A autoestima é a base da nossa personalidade e da forma como nos relacionamos com os outros. Como se constrói?

Antes de nascermos. Parece estranho, mas não tem nada de esotérico. É neste sentido: quando um bebé ainda está na barriga da mãe, ela vai construindo fantasias em relação a ele, que quando tiver existência cá fora vão ser importantíssimas. Se for desejado, amado e especial aos olhos dos pais, o ambiente que o vai acolher fará dele uma criança confiante. Pelo contrário, há pessoas que têm uma autoestima tão baixa, e estou agora a pensar nos pais, que sentem que tudo o que é deles não tem valor e o que é dos outros é sempre melhor e mais importante e isto vai ser transmitido ao bebé.

Depois, os elogios, o reconhecimento da pessoa por aquilo que é, os estímulos positivos, tudo isto é importante para ir melhorando e consolidando a autoestima. Ao longo da vida vão havendo apports que melhoram a autoestima, mas também situações que a ferem, portanto estamos sempre neste processo dinâmico de adaptação, nunca é uma coisa fixa.

A autoestima depende mais do olhar dos outros do que de nós próprios?

Dizer a uma pessoa que tem uma baixa autoestima “tens que ser forte”, “tens que acreditar em ti” “tu consegues” pode ser muito doloroso, porque a pessoa sente que já se esforçou muito, esforçou-se mais do que toda a gente e não consegue. Não vejo as coisas de forma determinista, no sentido de que o que acontece quando somos crianças determina tudo de maneira irreversível, mas tem uma influência grande.

Se uma pessoa tem uma boa autoestima, ao longo da vida pode sofrer determinados ataques, mas não desmorona porque sabe o valor que tem, o valor intrínseco, ao passo que se tiver baixa autoestima, por muito que se esforce não consegue apropriar-se das suas qualidades, das suas competências e há coisas que não são fáceis de mudar.

Mas se eu acreditasse que não é possível mudá-las não tinha escolhido a psiquiatria, a psicoterapia e a grupanálise. Através das terapias analíticas pode haver uma reestruturação da forma como a pessoa se construiu e há mudanças estruturais que a pessoa vai fazendo. Não digo que mude tudo, mas há determinadas capacidades e estruturas psicológicas que melhoram.

Mais cedo ou mais tarde, os outros cansam-se [dos narcisistas] porque percebem que aquele indivíduo está em esforço, sempre a tentar mostrar que fez isto ou aquilo, sempre a impor-se, sempre a deitar os outros abaixo.

Os narcisistas são pessoas com uma baixa autoestima? Isto não é um paradoxo?

Há dois grandes mecanismos ou conjuntos de processos psicológicos de defesa para lidar com a baixa autoestima ou as feridas na autoestima. Um deles é a pessoa esconder-se, conformar-se àquilo que pensa que os outros esperam, sujeitar-se às opiniões dos outros, agradar, mesmo anulando a sua vontade própria. Trata-se de uma estratégia de submissão ou apelo a uma proteção, induzidas por um sentimento de inferioridade, para que a autoestima não seja ferida.

Existe outro grupo de defesas que é o oposto, a pessoa cria uma carapaça e ataca os outros para não ser atacada, precisa de ser o centro das atenções, diminui os outros, ataca-os nos pontos fracos, usa o poder que tem para ser bajulada e não ser contrariada, tudo isto para reforçar a autoestima. Estes são aqueles de quem se costuma dizer que têm uma personalidade muito forte ou que se impõem.

Alguém que tenha uma boa autoestima faz os outros sentirem-se bem. Tem carisma, sabe muito de determinado assunto, mas a forma como o transmite faz-nos sentir bem, ao passo que quem tem baixa autoestima dá a sensação que nos está a deitar abaixo, que só sobressai atirando os outros para a penumbra. São estratégias diferentes de gestão da baixa autoestima.

O que determina o recurso a uma estratégia ou a outra?

Tem que ver com características da personalidade e com uma série de competências cognitivas e relacionais. Mas também tem que ver com o temperamento, que é uma coisa com a qual nascemos. Há bebés que desde que nascem são mais ativos, apelam mais para os outros, começam a andar mais depressa, são mais reativos aos estímulos e portanto são mais ativos de uma maneira geral. Outros são calmos, entretêm-se sozinhos, são pessoas que ao longo da vida precisam de estar consigo próprios, não gostam muito de confusões, enquanto os primeiros precisam sempre de alguém quando estão sozinhos.

Os limites, o respeito pelos outros, o aprender a esperar, o aguentar as frustrações, tudo isto faz parte da vida e é essencial que façam parte da educação.

Uma baixa autoestima enxertada numa personalidade forte resulta então num narcisista. E porque é que estes, apesar da arrogância, da vaidade e da prepotência, exercem um fascínio tão grande?

O carisma exerce fascínio. Mas eu acho que quando é um verdadeiro carisma, quando a pessoa tem um brilho próprio e qualidades de liderança e isso é genuíno, atrai os outros e fá-los sentirem-se bem. Felizmente, há muitas pessoas assim, inspiradoras, que temos orgulho em conhecer e em ser seus amigos. Quando não é genuíno, como é o caso dos narcisistas, mais cedo ou mais tarde, os outros cansam-se porque percebem que aquele indivíduo está em esforço, sempre a tentar mostrar que fez isto ou aquilo, sempre a impor-se e isso é cansativo.

Mas o narcisismo também pode ter um papel positivo, de tempero para uma baixa autoestima, elevando-a e tornando-a funcional? A pulsão narcísica, se bem doseada, é importante?

É, tem que ver com os nossos mecanismos de defesa e adaptação. De uma forma muito automática, porque vamos aprendendo isso desde pequeninos, se alguém nos deita abaixo ou critica, arranjamos estratégias para lidar com isso, para evitar ou para compensar, desligando. São processos muito automáticos.

É possível fazer uma prevenção no que diz respeito à saúde mental infantil, no sentido de a tornar mais robusta?

Penso mesmo que sim, conhecendo bem cada criança, reconhecendo-a e aceitando-a como ela é, com as suas especificidades, dando apports positivos, elogios, reconhecimento do que faz bem. Isto é fundamental e não é nada de especial, mas se acontecesse sempre, seria extraordinário.

E não é preciso caldear isso com regras, nãos, treino de tolerância à frustração?

Completamente de acordo, porque senão estamos a criar pequenos monstrinhos, pequenos ditadores, que fazem o que querem.

Os tais narcisistas.

Isso mesmo, que se sentem no direito de ter toda a gente ao seu serviço. Os limites, o respeito pelos outros, o aprender a esperar, o aguentar as frustrações, tudo isto faz parte da vida e é essencial que façam parte da educação. Podemos concretizar aquilo que está ao nosso alcance, mas há coisas que não dependem de nós e portanto aprender a aceitar isso desde pequenos é importante. Harmonizar da melhor forma as duas coisas é o fundamental.

Relações artificiais através das redes sociais ou dos jogos são um dos fatores que indiretamente pode contribuir para um funcionamento narcísico.

A empatia é essencial. Neste momento debate-se a forma como as novas tecnologias e redes sociais e toda a sua lógica egocêntrica está a diminuir o desenvolvimento desta competência. Isto pode favorecer o narcisismo?

É difícil responder a essa pergunta porque o que determina o modo do funcionamento narcísico é complexo e depende de muitos fatores. Em jogos em que os miúdos estão em relação uns com os outros é mais fácil desenvolverem a empatia, a compaixão, a entreajuda, a competição, a partilha, a cooperação e tudo isto facilita modos de funcionamento que conduzem a um funcionamento narcísico saudável. Um miúdo que esteja muito fechado dentro de si faz não desenvolve a capacidade de perceber o impacto que o seu comportamento tem nas outras pessoas. Aprender com os outros, com os pais, com os amigos, com os colegas, com os filhos, quando somos pais, é essencial. Relações artificiais através das redes sociais ou dos jogos dificultam estas experiências, portanto penso que sim, será um dos fatores que indiretamente pode contribuir para um funcionamento narcísico.

Sabermos que por mais asneiras que façamos há sempre alguém que nos ama apesar delas e mesmo quando nos ralha é importante para uma boa autoestima?

É fundamental e se não é suficiente é porque há condições e situações difíceis de superar. Há pessoas que têm o amor dos outros e isso não lhes tira o sofrimento.

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O psiquiatra João Carlos Melo é autor do livro "Nascemos frágeis e recebemos ordens para sermos fortes" [Bertrand Editora]

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Todos os bullies 

são cobardes

Gabriel Leite Mota

Economista, doutorado em Economia da Felicidade

4 de Janeiro de 2019, 9:03

As políticas da escola devem ser de uma vigilância constante, facilitação da denúncia dos actos de assédio físico e moral e de penalização exemplar dos agressores.

bullying sempre existiu nas escolas, mas ganhou, nos últimos tempos, mais atenção, devido à classificação do fenómeno com termo americano. Porém, este é dos casos em que um americanismo é bem-vindo: é um problema sério, que cria infelicidade, legitima a agressão e viola os direitos humanos. Claramente, uma deseducação que não é compatível com uma instituição educativa.

Os bullies são os agressores, que exercem todo o tipo de violência sobre colegas, e são vistos como os fortes, os valentões, temidos por uns, admirados por outros. Porém, são todos uns cobardes.

Cobardes porque só atormentam e atacam os que sentem mais fracos ou vulneráveis: ora porque são diferentes (os mais inteligentes, os menos inteligentes, os deficientes, os que usam óculos, os gordos, os mais pobres numa escola de ricos, os mais ricos numa escola de pobres, os homossexuais, os doutra cor, etc.), ora porque são mais sensíveis e não ripostam perante a agressão. Os bullies nunca se metem com iguais ou com quem consideram mais fortes. É que, aí, o medinho aperta…

Na verdade, os bullies tendem a ter problemas emocionais: ou porque vivem em ambientes familiares desestruturados, seja em famílias pobre ou ricas, onde falta educação, regras e ternura, ou porque são estruturalmente maus e mal-educados, tendo aprendido que é lícito gozar, explorar, ameaçar ou bater noutros seres humanos, que consideram inferiores a eles.

Se é verdade que o problema do assédio físico e moral entre jovens nas escolas deve ser combatido numa dupla vertente: por um lado, educar as vítimas para se imporem, denunciarem e ganharem autoconfiança, por outro, tratar os bullies da sua agressividade e má educação, é na parte dos bullies que primeiro se tem que actuar – nomeadamente, ensiná-los que coragem é dominar o próprio medo, não atacar quem não se sabe defender.

As escolas não podem considerar normal que o bullying exista como parte da vida.

As crianças que são vítimas de bullying não ficam mais preparadas para a vida (como alguns mitificam), assim como os bullies também não (se não mudam os seus comportamentos, tornar-se-ão marginais ou bestas). Este tipo de agressividade e desrespeito pelo outro e pela diferença é algo que as escolas têm que combater e erradicar.

A verdade é que, infelizmente, muitas crianças nascem em seios familiares onde não existem competências parentais, sofrendo assim as consequências nefastas de serem criadas por incompetentes (a este respeito, as comissões de protecção de menores deviam ser mais eficazes e actuantes e retirar mais frequentemente as crianças dos progenitores incompetentes, independentemente da classe socioeconómica dos mesmos).

Dessas famílias incompetentes podem nascer vítimas ou agressores, mas urge combater os fazedores do mal, não sobrecarregar quem sofre com a maldade alheia.

As políticas da escola devem ser de uma vigilância constante, facilitação da denúncia dos actos de assédio físico e moral e de penalização exemplar dos agressores.

A escola é também um local de criação de cidadãos, não só de aprendizagem de conteúdos teóricos. Se as famílias falham na educação das suas crianças, não lhes ensinando que não podem maltratar os demais nem considerarem-se superiores aos outros, então compete à escola trabalhar com esses jovens, recorrendo a incentivos positivos e castigos, para que, no futuro, não se criem mais criminosos ou insuportáveis arrogantes, que tantas vezes chegam a lugares de chefia.

Os direitos humanos, o respeito pela diferença, o simples respeito pelos outros têm que ser uma das tarefas basilares de qualquer escola. Nesse sentido, a prevenção e a erradicação do bullying deve ser um objectivo central.

In jornal Público

4 de Janeiro de 2019, 9:03

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